quinta-feira, 31 de março de 2011

Os mercados




Ao contrário de todas as outras crises de que há memória, em que a ganância dos poderosos gerou guerras, miséria e fome, desta vez a culpa é do povo. E o povo enfureceu essa entidade mitológica, mais conhecida como "os mercados". É estranho o bicho agora ser um plural, mas tudo bem.
O povo miserável é preguiçoso, viveu acima das suas possibilidades e deu cabo da chafarica. Sempre quis escrever a palavra chafarica, e assim fiz.
É um lugar-comum dizer-se que a culpa é das pessoas que nada fazem, que nada produzem, que compram plasmas e vão para o Cartaxo passar férias. Da outra vez escrevi Riviera Maia e não quero repetir-me.
O mercado livre, tido como o único meio de progresso, não parece estar a dar bom resultado! Mas isso não se pode dizer, porque toda a gente sabe que o que dá problemas é o comunismo.
Nesta crise que ninguém compreende, a gíria diz que o produto interno bruto e o défice não estão nada bem... As pessoas continuam disponíveis para trabalhar (ou não, como dizem os que sabem porque estamos em crise), mas aparentemente a crise não os deixa.
Custa-me compreender como vamos sair disto, uma vez que nós não conseguimos pagar o que devemos, e a solução dos mercados parece ser subir os juros. Faz sentido.
Aliás, acho que é assim que as coisas devem ser. Sempre que tivermos um problema que não consigamos resolver devemos, em alternativa, tentar resolver um mais difícil. Alguém optimista dirá que é para nos superarmos. Uma vez que livros como "O Segredo" venderam o que venderam, dando asas ao conceito "se tu quiseres mesmo consegues", só me resta considerar que está tudo bem.
Enquanto os mercados parecem determinados na sua missão de aumentar os lucros, os nossos líderes parecem determinados em agradar os mercados. Não vejo como isso pode ajudar, mas isso é porque sou ignorante.
Escrever que os mercados são gananciosos não tem muita graça, por ser demasiado óbvio - por isso, não o faço.
Desta vez, a culpa é do povo.
A culpa é sempre do povo, tirando quando a lemos nos livros de História!

terça-feira, 15 de março de 2011

Lutar contra quem?




Muitas pessoas perguntam contra quem é que nos devemos revoltar e o que é que podemos fazer? Esta última pergunta vem normalmente associada a um certo tom de retórica, como quem diz - não é possível fazer nada!
Este sentimento de impotência que assola as pessoas, só me faz lembrar o "tempo da outra senhora"! Nessa altura, como as conversas subversivas fora da segurança do lar e os ajuntamentos eram proibidos, as pessoas não sabiam que os outros também sabiam que o problema estava no regime (esta última oração plagia um filme que vi no outro dia). Este desconhecimento da opinião dos outros, tornava a revolta obviamente mais difícil.
É curioso constatar que, apesar de toda a gente saber que toda a gente sabe que o problema está no regime, a revolta continua a ser difícil.
Muita gente diz que o problema é que existem muitas pessoas pouco autónomas, com pouca motivação para trabalhar. Apontam muitas vezes o exemplo dos nórdicos e dos regimes anglo-saxónicos. No entanto, tenho ideia que estes também se encontram em crise. Escrevi tenho a ideia, mas na verdade tenho a certeza! Se a causa da crise fosse a falta de liberalismo e o incentivo à autonomia - que é o paradigma americano, por exemplo - não deveriam estes países estar a crescer? Os mais obstinados talvez dirão que a culpa é nossa, dos países do sul.
Outras pessoas dizem que andamos a viver acima das nossas possibilidades. Tenho dificuldades em perceber como é que as pessoas dão cabo do país a fazer empréstimos para comprar LCD's e a viajar para a Riviera Maia. No entanto, como não estou familiarizado com os poderes ocultos da CETELEM, hesito. Quando muito, essas famílias poder-se-iam destruir a si próprias e, se nenhumas pagarem pelas férias, habilitam-se a destruir a CETELEM. Já quando é o governo, em nome de todos os cidadãos, a pedir empréstimos intermináveis a juros altíssimos - mais de 7%, por acaso - cheira-me que já estamos mais próximos do problema. Não estará o Estado a viver acima DAS NOSSAS possibilidades? Não deveria ser o Estado a poupar? Em vez disso contrai empréstimos sucessivos para "se financiar". Algo nisto não soa bem, como já repeti aqui várias vezes.
Os agiotas, por seu lado, passaram décadas a emprestar dinheiro por tudo e por nada, fabricando uma irreal abundância. Qualquer pessoa que empreste dinheiro a um bêbado ou a um drogado desconhecido, sabe que existe pouca probabilidade de o recuperar. Os bancos, quando emprestaram dinheiro a pessoas que tinham poucas probabilidades de pagar - a juros altíssimos - não correram, ao contrário do que seria de esperar, absolutamente risco nenhum. Quando toda a banca realizou empréstimos arriscados no imobiliário, partindo do princípio que os preços das casas iam subir para sempre, chamaram-lhe "bolha imobiliária/sub-prime". No entanto, ao contrário de quem empresta dinheiro a um bandido, o buraco dos bancos foi pago por nós.
Ou seja, além de continuarmos a pagar juros altíssimos para continuarmos a ser "financiados", ainda temos que tapar o buraco dos negócios ruinosos que a banca faz. A este último fenómeno, chamam-lhe "salvar o sistema".
Já nem vou falar (já deu e dará ainda origem a outros posts) no processo de criação de dinheiro. No sistema de bancos centrais actual, para obter dinheiro os bancos imprimem e o povo trabalha. Parece-vos haver aqui alguma disparidade? Disse que não ia falar mas falei, e desta vez usei eu da retórica.
Falta ainda discutir o facto de o estado pedir dinheiro emprestado para investir em negócios que, em grande parte, são detidos por proeminentes políticos que saltarilham entre os respectivos cargos e negócios, investindo no fundo, neles próprios!
Infelizmente, a única coisa que as pessoas têm sido capazes de fazer para mudar o rumo das coisas, é votar no maior partido da oposição. Com ciclos que nunca ultrapassaram os 10 anos, os lobbys têm crescido, potenciando todos os problemas que aqui descrevi.
A solução passa por uma revolta contra a classe política em geral e contra o sistema financeiro que suportam. Tal coisa exigirá greves, manifestações como a do último sábado, grandes sacrifícios e privações - como qualquer revolução que seja verdadeira!
Infelizmente, há muito medo...

sábado, 12 de março de 2011

A luta continua


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Ontem foi o dia em que largas dezenas de milhares de pessoas, se levantaram finalmente contra a opressão. Esperemos que tenha sido o primeiro grito de uma revolta que há-de mudar o nosso futuro, para melhor!
Ao contrário do que os funcionários da imprensa doutrinária apregoavam, a poucas horas do início do protesto na Praça do Marquês de Pombal em Lisboa, não foram centenas de pessoas que se manifestaram - foi uma coluna imensa de gente que se estendeu do Marquês aos Restauradores!
Acima de tudo, penso que as pessoas, inspiradas pelas revoltas no norte de África, perceberam uma vez mais, que o povo tem o poder todo, e que só nos escravizarão até onde nós deixarmos.
Feliz ou infelizmente, nós em vez de um tirano no poder - como o Khadafi ou o Mubarak - temos uma núvem pseudo-divina que paira sobre nós e que nos diz os sacrifícios que temos de fazer. Estamos de tal maneira bem controlados, que é difícil saber quem queremos depor, contra quem exactamente nos queremos revoltar.
Antigamente, quando governavam os reis absolutos, cujo poder emanava directamente de Deus, o povo aceitava sem reclamar. Hoje, o poder emana de conceitos financeiros incompreensíveis (como aliás se pretende que sejam), como o défice, o PIB, os juros e os mercados, que em nada reflectem o nosso bem-estar. O medo dos mercados, paira sobre nós como o medo do castigo divino pairava sobre os nossos antecessores. O que vem aí é o castigo do FMI! Como é que tão rapidamente voltámos aos dogmas, inquestionáveis por natureza? Seremos estúpidos? Uma boa parte de mim quer acreditar que a manifestação de hoje mostrou que não!
Estamos todos fartos que o Estado contraia dívidas a um ritmo descontrolado. Eles nunca deixaram de viver acima das suas possibilidades - não é isso que me incomoda. O que me incomoda é que vivam acima das possibilidades do povo!
Para que é que queremos ir financiar-nos ao estrangeiro? Porque é que queremos pedir dinheiro emprestado? Depois ainda lhe chamam vender dívida pública!!! A única coisa que estão a vender é o futuro das futuras gerações!
Neste momento, o Estado só me faz lembrar aquela família que continua a viver como se nada fosse, recorrendo sistematicamente à CETELEM, contraindo novos empréstimos para pagar os anteriores! Se isso é estúpido para uma família, porque é que é "a única maneira de financiar" o estado??? Hipotecam-nos o futuro!
Obviamente queremos - ou deveríamos querer todos - revoltar-nos contra este sistema que faz da dívida a nossa grilheta. Queremos revoltar-nos contra a promiscuidade entre os políticos e os banqueiros! Não acham estranho que o crescimento tenha de vir da dívida, e que os únicos que parecem de facto crescer são aqueles que emprestam dinheiro? Chamam a isto financiamento. Convenhamos que está bem esgalhado!
Sem dúvida que muitas pessoas, talvez pequem por serem pouco empreendedoras, ou por terem cursos superiores e não dominarem qualquer profissão. Mas e os reformados, os velhos e os doentes? Não trabalharam já? Não terão também direitos? Onde está a justiça quando salvam os bancos e deixam morrer os pobres e os estropiados? Que negócio é esse, que a bem de todos tem de ser salvo pelo sacrifício de todos? O dinheiro não evaporou... Ou evaporou?
E o Estado e os seus políticos/governantes, não têm nenhuma responsabilidade na formação destas pessoas licenciadas cujos conhecimentos são insuficientes ou desfasados da realidade?
A revolta de hoje - espero eu - terá sido o início do fim do sistema que nos oprime a todos, e que impede que o desenvolvimento científico brutal que ocorreu nos últimos 80 anos seja transformado em qualidade de vida. De que serviram tantos avanços, se ao fim de quase quarenta anos de democracia em Portugal, a maior parte da população pouco mais tem do que para comer?
O protesto de hoje, para o bem ou para o mal, está condenado a não ter sido o último, pois o crescimento prometido não está para breve...
Ainda nem sequer pagámos a dívida!