sábado, 21 de janeiro de 2012

O orçamento




Os tempos são de crise e, como já vem sendo habitual, nada melhor que a crise para me entusiasmar a escrever umas quaisquer porcarias.
Portugal acabou de ser "salvo" pelo Fundo Monetário Internacional e espera-se que tudo corra bem nos próximos tempos, ou talvez não...
Como bom país que somos (e como todos os outros à excepção dos chineses, talvez), continuamos a vender dívida pública a juros elevados. De salientar a utilização da expressão "venda", quando na verdade a expressão que deveria ser empregue é - pedir montes de dinheiro emprestado. Quando se gasta mais do que se tem - vulgo, défice - torna-se necessário pedir um empréstimo para tapar o buraco, e impedir que agentes armados entrem pela nossa casa a dentro e nos coajam a pagar as nossas vendas de dívida. Costuma dizer-se que toda e qualquer "dona de casa" sabe que pedir dinheiro emprestado para pagar dívidas não é um bom negócio. Qualquer "trolha" sabe que, para não perder a casa e o carro, talvez seja melhor despedir a empregada doméstica, ir ao "Minipreço" em vez de ao "El Corte Inglés" ou poupar naquela ida ao "Tavares Rico", para não ter de ir à Cetelem pedir dinheiro para pagar o empréstimo da casa. Qualquer idiota percebe que, se começar a pedir dinheiro emprestado para pagar a hipoteca da casa, vai ter de levar a mobília que sobrar da penhora para debaixo da ponte - no caso de ainda haver espaço disponível.
Todos os dias surgem uma série de indivíduos carismáticos e eruditos (às vezes com uma boa camada de base na cara) que, cheios de razão dizem que a redução da despesa vem a caminho e que este ano só vamos ter um défice de 5,8% (in Diario de Notícias, Novembro de 2011). SÓ, é como quem diz... Significa isto que Portugal está a ir à Cetelem - vulgo Troika - para manter o seu estilo de vida. Claro está, que uma grande parte dos nossos governantes já estão bem próximo da aposentadoria, significando isso que estão a pedir dinheiro emprestado em nome da população mais jovem. É como quem diz - quem vier a seguir que pague a conta! Nem que seja pela minha data de nascimento, naturalmente acho mal.
É lugar-comum dizer-se que vivemos acima das nossas possibilidades e que a crise actual é o preço a pagar. Não percebo como é que aquela televisão que comprei a prestações na Worten está a impedir a Tia Mariquinhas, que vive no lugar da Pucariça, de manter a sua reforma e poder de compra. Há, obviamente, algo de muito cruel na aquisição de televisões a prestações sem juros.
O nosso governo, como aliás muitos dos outros todos, têm vindo a pedir-nos uma série de sacrifícios - perda de reformas, de feriados, de férias, de subsídios, de salários - para nos tirar desta coisa que é a crise. No entanto, este ano e nos próximos que avizinham, vai continuar a pedir dinheiro emprestado para pagar os empréstimos.
Tentei, com pouco sucesso, descortinar as estratégias que nos vão salvar do mal. Recorri ao Orçamento de Estado. Nunca pensei encontrar a salvação no orçamento mas, ainda assim, dei uma vista de olhos.
Qual não foi o meu espanto quando me apercebi, que as maiores vítimas das "poupanças" do Estado são os trabalhadores, apesar de só serem responsáveis por cerca de 25% das despesas. No Serviço Nacional de Saúde, por exemplo, os gastos com pessoal são apenas um sexto dos gastos com a "aquisição de bens ou serviços".
Eu pergunto-me se o desenvolvimento da sociedade se mede pelo número de aeroportos no Alentejo, pelo número de meses que vivemos depois dos 80 ou pela densidade de estradas que temos pelo país fora (das maiores da europa - in DN, Novembro de 2008). Qual é que será o verdadeiro benefício de todos estes investimentos?
Fará algum sentido vivermos todos pobres, descalços e com a escolha do jantar limitada entre o feijão e o arroz ? Ou para, um dia mais tarde, entrarmos doentes num hospital aos 75 anos, e sermos tratados com a mais cara e avançada tecnologia aeroespacial? Nem me dou ao trabalho de escrever sobre o aeroporto de Beja nem sobre o TGV, porque isso é um luxo que poucos vão ter dinheiro para pagar. Pagar para andar, claro está, porque para construir pagamos todos.
Com a saúde não se brinca! Nem com a saúde, nem com as auto-estradas! Claro está que vamos ter de pedir ajuda à Cetelem para pagar isto tudo...
As agências de rating - que, apesar de terem uma grande responsabilidade no actual estado das coisas e de simbolizarem muito do que me repugna e enoja na nossa sociedade - não deixam de ter razão ao dizerem que assim não vamos longe. Afinal, quem é que acha seguro apostar numa empresa que vende dívida para contrair mais dívida???
Quando será que os senhores armados vão entrar na casa do governo e dar início às penhoras?