quinta-feira, 2 de abril de 2009

O pacote!


Tenho-me lembrado muito de um dia em que passeava pelas ruas do Porto, há uma boa mão cheia de anos. Olhava para os bonitos prédios da Avenida dos Aliados e recordo-me de pensar - "É estranho, isto agora está cheio de bancos". Estava muito longe de ter a consciência social/política que faz de mim o que sou hoje (gabo o meu cesto). Na minha ingenuidade, o que me preocupava era aquilo já não ser das pessoas. Provavelmente uma tolice, já que os ditos prédios nunca devem ter sido "das pessoas" mas sim de "uma ou outra pessoa", bem abastada por sinal.
Hoje em dia percebe-se bem porque tudo o que é prédio valioso em centro de cidade, da minha Angra do Heroísmo natal até Lisboa ou Madrid, tem um dono - o banco - se não for do banco talvez seja, na loucura, de uma seguradora. Isto é tudo deles, eles são os maiores e merecem respeito.
Se em tempos passados os reis recebiam o poder directamente de Deus, agora já não é preciso. Há o dinheiro (vulgo: carcanhol, pastel, pasta, guito, massa, pilim, grana, etc.). É mais ou menos a mesma coisa, e tanto agora como nesses tempos, o poder é incontestado. Afinal de contas, há uns cinco ou seis séculos atrás, toda a gente ia na conversa. A malta era religiosa e se pensassem o contrário, Deus ou a Santa Inquisição, castigavam. Hoje em dia somos muito mais práticos. O dinheiro é uma coisa que existe, não é subjectivo. Quem questiona só pode ser maluco, porque ele não é como Deus, está lá mesmo, seja saldo da conta, no ecrã do computador, ou numa notinha com sistema anti-falsificação.
Ninguém põe em causa essa coisa com a qual transaccionamos bens sem ter de andar com as vacas ou as dúzias de ovos para a troca.
Quer dizer, talvez não seja bem assim. A verdade é que me lembro (lembro-me de tanta coisa neste texto, ainda não devo estar a ficar senil) de estudar o "Auto da barca do inferno", de Gil Vicente. Nessa obra, escrita há quase 500 anos, figurava um personagem interessante - o onzeneiro. Era o mau, a metáfora dos indivíduos que ganhavam a vida emprestando dinheiro, os agiotas. Cobravam 11% de juro e já na época eram bandidos, a sua arma era o nobre pilim.
Seja como for, é de salutar o facto do povo continuar bem domado. Fizeram, fazem e continuarão a fazer de nós o que querem. O gajo que trabalha continua e continuará a trabalhar muito mais do que seria necessário. A tecnologia continua e continuará a não ser aplicada a bem do lucro, da mais valia. Continuaremos atrasados, a andar com carros a gasolina e a fazer radiografias convencionais. A vida está cara. O pobretanas está em crise. E assim continuará. É a crise.
Ocorre, no dia em que escrevo esta ladainha, a cimeira/encontro/reunião/ajuntamento dos senhores do G-20. Fiquei maravilhado com a notícia que li (e que motiva este texto), acerca do pacote de medidas que foi lançado para "arrumar" com a crise mundial.
O pacote de medidas deveria ser antes chamado de medidas do "pacote" (para quem não conhece a terminologia, pode querer dizer rabo, no contexto certo).
Lê-se assim na notícia do SAPO: vão alterar as regras contabilísticas em vigor no país, passando a permitir às instituições financeiras que usem o seu "melhor julgamento" para avaliarem os seus activos. Fantástico, podemos agora contar com o "melhor julgamento" da banca para reger o nosso futuro e o futuro dos mercados. Maravilhoso! Diria mesmo soberbo! Tem dado tão bons resultados...
Rematam ainda com uma última frase, que é genial, e deverá ser interpretada com grande optimismo por todos: Segundo os peritos de contabilidade, as novas regras, que podem já ser aplicadas no primeiro trimestre, poderão impulsionar os resultados dos bancos em mais de 20%. Coitadinhos, apesar de, em 2007, terem sido o único sector da economia que cresceu, com lucros pornográficos, no ano passado parece que não correu tão bem. Até tiveram que usar dinheiro dos impostos para tapar os buracos. Merecem bem estes 20%, pelos esforços que têm feito em recuperar o nosso dinheiro, que estouraram em especulação bolsista.
É caso para dizer, "God save the banks"! Obrigado por tudo!